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RE-COMPRAR: o brechó como novo espaço de consumo

Foto do escritor: Hellen AlbuquerqueHellen Albuquerque

A moda anda lado a lado com a tecnologia. As revoluções industriais alteraram completamente as formas de produção e, em consequência, do consumo. Seja como objeto de desejo ou mero artigo de necessidade básica – afinal, precisamos estar vestidos – a indumentária está presente em cada momento, esquina e corpo, sexuado ou não.

A indústria do fast fashion lotou guarda roupas com seus produtos baratos e novidades constantes. Desde a década de 1990, marcas que dizem democratizar a moda alteram poucas estampas, sem arriscar em modelagens, criando um modelo de produto que atende a todos, sem verdadeiramente representar ninguém. A produção descartável foi absorvida a largos tragos e dezenas de sacolas.

Em movimento contrário, o slow fashion, derivado do manifesto slow food que surgiu na Itália, busca pela qualidade versus quantidade. A moda como um investimento indenitário, proveniente de cadeia justa de produção, com design e durabilidade.

Em meio a conscientização e busca por um consumo mais pensante, outras formas de comércio também se expandem. A proliferação de brechós demonstra bem tal acontecimento. Como apresentado por Canclini, apenas a disponibilidade de um artigo, não necessariamente o torna um objeto de consumo. Alterações no comportamento e cultura, também fazem parte da construção dos hábitos de compras.

O crescimento da renda, a expansão e variedade das ofertas de mercado, assim como a capacidade técnica para se apropriarem dos novos bens e mensagens, graças ao acesso a níveis de educação mais elevados, não bastam para fazer com que os membros de um grupo se atirem sobre as novidades. O desejo de possuir “o novo” não atua como algo irracional ou independente da cultura coletiva a que se pertence (CANCLINI, 1997).

O termo brechó surgiu na terra do Cristo Redentor, durante o século 19. Nas terras quentes do Rio de Janeiro o mascate Belchior viu naquilo que já não lhe era tão importante uma oportunidade de negócio. Foi o primeiro comerciante a montar um espaço em que eram vendidos produtos seminovos, os que embora já tivessem tido um dono outrora precisavam de novo espaço. A casa comprava e vendia objetos, o nome de seu dono caiu na boca do povo e foi sendo abrasileirado até chegar à palavra brechó.

Em Curitiba, existem ruas totalmente dedicadas ao novo modelo de negócio, como a Riachuelo e Matheus Leme. Nelas, as portas se multiplicam todos os anos, amontadas dos descantes de alguns, que agora esperam novo dono. Este formato já ganhou atenção de espaços dedicados ao empreendedorismo como o SEBRAE. Segundo a associação, as micro e pequenas empresas dedicadas ao comércio de artigos usados cresceram 210% em cinco anos.

Cresci treinando o olhar para tecidos, texturas e acabamentos, o que me levou a trabalhar com moda profissionalmente. Nestes tempos, desenvolvi amizades com muitos dos proprietários que separavam para mim sapatos número 33 e vestidos tamanhos P. A intimidade cresce como em momentos de terapia. Nas últimas semanas, me propus a revisitar estes lugares que me são tão familiares com um olhar mais analítico.

Alguns pontos em comum podem ser observados nestes espaços. O primeiro é a relação pessoal desenvolvida entre o dono do brechó e seu consumidor. Não é raro ver nas lojas as amizades que surgiram pelo espaço de garimpo, eu mesma sou bom exemplo disso.

Cada brechó, um cliente

Cada brechó leva um estilo próprio que acaba por definir sua clientela. A curadoria fica sob responsabilidade do proprietário, que muitas vezes também se veste com suas próprias descobertas. São diversas categorias que vão de espaços especializados em artigos de luxo, com grandes nomes nas etiquetas, a uma busca pelo vintage e exclusivo, que faz viagens pelas mais diversas décadas.

Neste ponto, as lojas segmentadas ainda criam conexões com a história da moda. Como bem coloca Braga (2004):

“…a busca de características de outros momentos históricos de moda, fez com que os brechós se tornassem verdadeiros focos e referência tanto de pesquisa para criação em série, como para o consumo pessoal”.

O sentimento de identificação fica claro nos momentos de compra. A indicação de peças pelo proprietário, que muitas vezes também é vendedor, ao seu cliente é algo comum e até esperado. Nota-se uma preocupação constante com uma consultoria e cuidado ao vender apenas aquilo que vá de acordo com a pessoa que ali está. O cliente deposita sua confiança no proprietário, que corresponde separando peças que acredita serem do gosto de seu consumidor. Além de avisá-lo dessa possibilidade, garantindo outras visitas.

A proximidade com o produto também é muito clara. Já que todas as roupas e acessórios que ocupam aquele espaço foram encontradas a duras penas, o dono do brechó conhece cada detalhe e domina o espaço como se fosse sua própria casa.

A personalização do atendimento resulta em uma conexão intensa com o projeto desenvolvido. Cada comprador se sente parte da iniciativa. Muitos saem do lugar vestindo as peças que acabaram de comprar, e anunciam em suas redes pessoais, online ou não, sobre o espaço. O marketing é natural, acontecendo espontaneamente.

Você não escolhe a roupa, ela te encontra

Diferente das araras enumeradas de uma loja habitual, em um brechó é a peça que encontra seu dono, como me disseram vários consumidores das peças usadas. Não há como pedir um número maior de determinada camisa, ou outra cor do modelo de sapato. Cada artigo existe em unidade. A sensação de também descobrir o novo, dentro o que já era considerado velho, perpassa aos que ali decidem consumir.

A forma de escolha também se diferencia do habitual. Grande parte das vezes os consumidores adentram o espaço com olhares de descobridor, sem grandes demandas de produto ou especificidades. Mas em busca do novo e diferente. Olhando pelas cores algo que lhe salte aos olhos e que não esteja em nenhum outro lugar.

Brechó é consumir com consciência

Como demonstra Canclini, o valor de uma mercadoria também está associado ao ambiente onde esta será usada. As interações sociais e culturais dos homens definem a relação que estes terão com seus bens de consumo. Cada objeto ganha a significância de seu possuidor, através das relações estabelecidas em ambientes e grupos sociais.

Se tratando de brechós, há a linha pelo consumo consciente e sustentável. O estabelecimento de um estilo mais orgânico e desvinculado das massas. A união de diversas linhas artísticas que encontram na vestimenta mais um mecanismo de expressão. Produtores de moda, maquiadores, artistas, jornalistas, djs e músicos, são presenças frequentes nestes ambientes.

Estas ações, políticas, pelas quais os consumidores ascendem à condição de cidadãos, implicam numa concepção do mercado não como simples lugar de troca de mercadorias, mas como parte de interações socioculturais mais complexas. Da mesma maneira, o consumo é visto não como a mera possessão individual de objetos isolados, mas como a apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que proporcionam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens.

Essas comunidades se interligam com suas identificações comuns. É uma união entre garimpeiros, compradores, amigos e trocas profissionais. Os brechós são fonte inesgotável de informação de moda, por isso atraem estudantes e outros envolvidos com o segmento.

Uma rede de consumidores

As conexões se fazem por contatos prévios, na indicação de amigos a outros amigos. Movimentando pequenos grupos de afinidades a também partilharem seus centros de consumo. Como aponta o autor: “Dentro da cidade, são seus contextos familiares, de bairro e de trabalho, os que controlam a homogeneidade do consumo, os desvios nos gostos e nos gastos” (CANCLINI, 1997).

Outro ponto de partida são as redes sociais, compradores diversos iniciam sua conexão pelas imagens compartilhadas no instagram. Ali, também são propagados um estilo de vida e valores perpetuados pelo brechó. Uma identidade visual forte no greed cria conexões online que evoluem para compras e interação pessoal.

A internet desempenha papel essencial no alcance dos brechós. Sites como o “Enjoei” permitem que qualquer pessoa cadastre para venda as peças e objetos que já não lhe são queridas. Diversos grupos pelo facebook também incentivam trocas e vendas por valores módicos.

Alguns brechós como o Boutique São Paulo se dedicam inteiramente ao mundo online. As peças são apresentadas através de editoriais exclusivos, postados constantemente no instagram, e as vendas são executadas pelo próprio aplicativo. A interação ágil e pessoal, se comunica com o formato físico, dos brechós que possuem lojas.

As diferentes plataformas de interação também se transforam em espaços consumo, tornando este comércio acessível ao grande público. Deste modo, a ideia de comprar algo usado já não é tão estranha, se tornando inclusive uma escolha que leva em conta valores pessoais, cultura e ambiente.

 
 
 

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